terça-feira, 13 de outubro de 2015

Cena de amor e alma





Despi-me de minhas asas por essa noite,
Apenas para acolher-te e secar-te o pranto,
Para sentir-me assim, sem meu encanto,
E semelhantes, embrionarmos na lua.
Ter minha pele branca na íris tua,
Ter junto aos teus braços um acalanto,
E com o meu corpo prostrar-me em manto,
Aquecer-te no ébrio de minha pele nua.
Em culto ao teu corpo, é o meu a cura,
O fim das promessas vãs e da procura,
Do desgaste absoluto de tua calma.
No encontro ao teu sorriso é minha face crua,
Ao fim do meu juízo resta-me a jura,
De saciar-te enfim, ao gozo de tua alma.


Rejane Alves

Colhendo estrelas




A ilusão é cada vez mais acessível,
Nesse vasto mundo de liberdade,
Onde a fé não se mede por vontade,
Mas pelo medo de ser invisível.


Esse mundo -progresso divisível-
Contraria a propaganda da cidade,
Pinta e borda os sonhos da mocidade,
Nas lindas cores que o torna infusível.

Na mente que perdura o sofrimento,
As ilusões são letais, contratempo.
E o que pintar na mente e não tê-las?

Só sou capaz de fugir desse mau tempo,
Embriagado em papel e sentimento,
mantendo os pés no chão,colhendo estrelas.

Rejane Alves

Traje de guerra



São as flores que desabrocham no vestido,
Buscando vida no amanhã que nos espera,
Doando à tela um formoso colorido,
Flores lânguidas de uma cruel primavera.


Corre o vento sobrepondo o alarido,
Povo perdido, triste o fim que tivera,
Cheiro de cravo junto ao sangue dorido,
Carmim tecido, que a paisagem tempera.

O que confronta com esse jeito altivo,
Essa dama, que só, vagueia pela terra,
Lançando aos mortos um olhar compassivo?

É só mais uma alma que seu ciclo encerra,
E o seu sentimento, é um ódio nativo,
E o seu vestido? Mais um traje de guerra.

Rejane Alves

Fim de tarde







Quando o vento toca leve a densa bruma,
É que eu me deságuo em prazer no teu abraço,
Aconchego-me no calor de teu regaço,
Até então que meu cansaço se consuma.


Contento-me do teu gosto em fina espuma,
E no ébrio teus cabelos em embaraço,
Fustigando-me a pele, te satisfaço,
E ao final, meu corpo leve como pluma.

Essa essência que trafega com teu alarde,
Convence-me a cada instante de loucura,
Permanecendo o corpo santo enquanto arde.

Na vastidão de meu pecado, assegura.
Então tu és total entrega e minha jura,
No amanhecer que te imploro ao fim da tarde.

Rejane Alves


Campesino




Arranca-me o cerne, chegado o estio,
E pressupõe minha fome de prazer,
Finda minhas angústias, devolve o brio,
À minha face que se espelha em meu sofrer.


Luar voraz que me abate em um arrepio.
Sonda ao pranto do terno convalescer,
Minha sede inesgotável de viver,
E me arremete friamente ao desafio.

E para sempre um bom menino, serei eu,
Inebriando os descasos do destino,
E então eu parta ao acaso, sem tortura.

É que eu vago como um vento campesino,
E eu não esqueço todo bem que aqui viveu,
Se sangra a carne ainda assim a alma é pura.

Rejane Alves


Reviver




Como pássaro que chora engaiolado
Um triste canto que encanta o amanhecer,
A desventura de seu breve acontecer
Que entoou toda tristeza do passado.


Teve da vida o seu voo assassinado,
Porem suas asas não deixaram de bater,
Vão dançando por seu canto amargurado,
Se despenando a cada som do seu sofrer.

Aqui eu preso na ripa que me segura,
Canto aos pios meu penar e minha solidão.
Assim que vejo a sombra do sol poente.

Hoje meu canto sente a falta da emoção,
Triste o canto que me invade e me tortura, 
Ao sentir reviver o amor da gente.

Rejane Alves


Regozijo final




Queria ver-te em cores,
Vários tons sob a luz,
No feixe que me seduz,
Provar teus dissabores.


Ser eu todo em ti, amores,
E ao pranto que reproduz
Lançar os meus fulgores,
E então roubar-te da cruz.

Ser para ti desejo
Descanso em tua pele
Meu regozijo final.

Sendo assim se revele
Consumindo-me em beijo,
Muito além de amor carnal.

Rejane Alves

Visto da alma







Sou um ser sem alma, desolado e perdido.
Entregue à cruz do terno e doce padecer,
Anjo caído de temor, desprovido.
Junto ao martírio, malfadado viver.


Solidão é que provem do meu destino
O sentimento que me conduz à ilusão
Em meu dia quase nunca desatino,
Finjo a loucura possuir minha emoção.

Desgraçado é o tempo pra quem não ama,
E fere quem manteve a alma para entender,
Os princípios daquele que reclama.

Cegueira é luz para alguém que não quer ver,
Dores do que sangra o dia sobre a cama,
Entregue sem lamúrias ao padecer.

Rejane Alves


Poeminha




É só mais um verso de amor,
Que me escorre da palma dorida,
Vendo a vida refletida,
Num acervo de emoções.


Mais uma rima que encanta,
Mas uma voz que acalanta,
Mais um sorriso suplanta,
No penar das vastidões.

Pensei eu quando menino,
No vendaval matutino,
Ter um sonho pequenino,
E viver mil corações,

Mas vi a vida em pedaços,
Sendo tomados os regaços,
Sendo desfeitos os laços,
E valores em frações.

É só mais um verso de dor
Pois o amor já não existe,
Mas pra não ficar mais triste,
Eu me desfaço em ilusões.

Rejane Alves

Candura



Candura



Na garganta a salina da amargura,


Fino fel, que na saliva vira mel,


E enfeitiça o seu timbre com candura.






O que procura,


Pobre menina d’alma pura?





Aquele sonho que viveu em um carrossel?



Os corações que foram unidos a pincel,


E se escorreram após a chuva pela rua?





O que a leva, menina, a essa tortura?


A que dispõe tanta ventura em viver?



Traz nos olhos as lembranças em gravura,


E o fino fel que o peito assegura


A paz de um voraz convalescer.

Rejane Alves